sábado, 25 de julho de 2009

Lovolar cadáveres

Nos últimos tempos tem se verificado um fenómeno na nossa sociedade: lovolar cadáveres. Para quem não sabe, o lovolo, segundo Lewin (1941); Radcliffe-Brown e Ford (1950); Ogbu (1978) e Manona (1980) constitui uma forma pela qual a união entre um homem e uma mulher é socialmente reconhecida. Entre nós é conhecido como casamento tradicional, e a actual lei de família de Mocambique prevê esse regime de casamento.

Ora, pegando no conceito de lovolo acima apresentado, depreende-se que a união legitimada por essa Instituição (lovolo), é entre um homem e uma mulher vivos. Todavia, conforme referi no parágrafo anterior tem se registado o lovolo de cadáveres.

O mais recente desses casos foi reportado pela imprensa nesta semana. O viúvo (digo viúvo porque vivia em união de facto com a falecida, com quem tem um filho), foi obrigado pela família da esposa a lovolar o seu cadáver e transladá-lo para a Província de Inhambane, sua terra natal.

Apesar de o lovolo ser visto como uma forma de legitimar a união entre um homem e uma mulher, conforme apresentado anteriormente, importa referir que ele (lovolo) também pode representar a ligação entre uma pessoa viva ou um grupo com o mundo espiritual (Bagnol, 2006).

Analisando a questão de lovolar cadáveres a luz da perspectiva de Bagnol (2006) sobre o lovolo, se torna perceptível a imposição de lovolar pessoas mortas se tratar-se do caso de alguém escolhido pelos espíritos, neste caso, ancestrais do seu grupo familiar para orientar os demais, ou para uma tarefa específica. Mas assim não se verificando, creio que estamos perante um caso de extorsão e de oportunismo.

Digo extorsão e oportunismo, porque para além da revisão da literatura, consultei algumas pessoas mais velhas (faixa etária entre os 50-75 anos) e perguntei se é comum o lovolo de defuntos na nossa Sociedade. As pessoas com quem conversei informaram-me que não é comum, e que as pessoas que obrigam o viúvo a lovolar a defunta são oportunistas, porque quando a sua filha está em vida assumem dois tipos de comportamento: por um lado podem cobrar valores exorbitantes para a celebração do lovolo, sem ter em consideração o ordenado do namorado da sua filha, e por outro lado por simplesmente podem não pressionar o namorado para lovolá-la, mas aceitam e reconhecem-no como genro.

Então, porque é que quando ela falece o obrigam a cumprir as normas, que sabiam de antemão que deviam cumprir?

Glossário:

Lovolo: derivativo factivo do verbo. Ultimamente há uma tendência generalizada para pronunciar-se lobolo e não lovolo. Bagnol (2006), mostra que o verbo kulovola e o substantivo lovola, existe nas línguas Tsonga e Zulu, embora não se conheça a sua origem etimológica.