O ritual kutxinga ou pitha-kufa nalgumas línguas vernaculares de Moçambique equivale a levirato que significa união entre o irmão do falecido e a viúva.
A morte tambem é poluente. Todos os objectos da casa ficam contaminados de ndzaka. Por um lado ndzaka se refere a tudo o que pertencia ao morto e que passa para os seus herdeiros; por outro, ndzaka refere-se a uma maldição que mata a todos os que se apoderam dos bens (incluindo a mulher) do morto antes da realização do ritual e que deve
pertencer aos vadi va ndzaka, que são os herdeiros, neste caso, os filhos e irmãos mais novos.
No ritual de kutxinga participam directamente a mulher viúva, o homem escolhido para purificar a mulher. Com papéis diferentes estão o curandeiro, que serve de intermediário entre o falecido marido e a sua familia. O primeiro, atraves do curandeiro, explica como quer que a cerimónia decorra, o que é necessário para a sua realização. A família do
falecido marido é que autoriza a viúva a realizar o ritual. Participam também as massungukati, que são mulheres mais velhas da família e/ou que passaram pelo mesmo ritual, que orientam a viúva sobre a forma como deve se comportar e o que deve fazer durante o ritual. Na realização do ritual procura-se guardar segredo para que possa ter sucesso. Aos vizinhos nada é dito e quando desconfiam, a viúva procura sempre uma
desculpa para que não percebam o que aconteceu. A pessoa nega ter feito o ritual porque há outras que “estão dispostas a fazer mal as outras e o aceitar pode estragar o ritual.”
Na realização do ritual, prepara-se um chá que é distribuído pelos familiares do falecido marido sem contar com os maridos das irmãs e das filhas do morto por não pertencerem à família.
Quando se anuncia a morte do chefe da família, o tio do morto, que é o irmão do pai, ou uma outra pessoa respeitada pela família paterna da pessoa que morreu, é indicado para explicar as pessoas como devem se comportar durante o luto. Quando morre a mulher, por estar no lar, geralmente a família do marido é que se responsabiliza por todas as realizações fúnebres. Este período é dominado por interdições de relações sexuais aos membros da família, sob a responsabilidade directa da pessoa que morreu. Também é proibida a circulação dos objectos de um lugar para outro para que não se transporte ndzaka para uma outra casa. A violação destas regras coloca em risco a vida dos membros da aldeia assim como da pessoa com quem se transgrediu a regra de abstinência e o castigo pode ir de doenças como tuberculose, hemorragias, mbatata
(abcessos) ate a morte.
O periodo de “evitamento” sexual depende das duas fases obedecidas para a realização do kutxinga. Uma vai atá a realização do ritual oito dias após a morte e a outra que pode coincidir com a missa de seis meses ou um ano. A primeira ocorre quando se faz ku hangalasa xikuma (espalhar as cinzas), que é uma cerimónia para se acabar com o luto pesado, permitindo que todos os que tiveram contacto directo com a pessoa falecida retornem às suas vidas normais.
Depois do oitavo dia os filhos da pessoa que morreu se forem crescidos e casados, seguindo a ordem das idades, retomam a vida sexual. Na madrugada seguinte as mulheres acordam e preparam chá que é distribuído pelos membros da familia. Se a pessoa que morreu não tiver filhos crescidos ou casados, o irmão mais novo do falecido marido pode
fazer o ritual. Nesta cerimónia a viúva não é contemplada porque foi tomada pelo morto durante o tempo em que viveram juntos e a impureza da morte a marca profundamente, o que se diz a ni ntima (esta num estado negro) dai a necessidade de esperar por um ritual especial.
A segunda fase do ritual acontece seis meses depois da morte do chefe de família. Após a realização da missa de seis meses a mulher pode pedir para ser purificada. Porém, até a data do ritual ela está proibida de ter qualquer contacto sexual. Caso viole esta interdição, ela assim como o homem com quem se relacionar ficam sujeitos a castigos pesados.
Os dois podem adoecer ou morrerem porque a hisi lifu (a mulher queimou a morte), uma vez que “nos primeiros seis meses o corpo ainda está quente”, o mesmo que a presença do morto ainda se faz sentir.
Fonte:
MAPENGO, Policarpo. (2007). Práticas Culturais e Políticas Socio-económicas em Moçambique: análise de ritual sexual de purificação no Município de Xai-Xai, 1926-2002. [Tese de licenciatura em História não publicada]. Maputo: UEM/ FLCS/ Departamento de História.
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