quinta-feira, 11 de novembro de 2010

O Kutxinga/ Pitha-Kufa/ Levirato

O ritual kutxinga ou pitha-kufa nalgumas línguas vernaculares de Moçambique equivale a levirato que significa união entre o irmão do falecido e a viúva.

A morte tambem é poluente. Todos os objectos da casa ficam contaminados de ndzaka. Por um lado ndzaka se refere a tudo o que pertencia ao morto e que passa para os seus herdeiros; por outro, ndzaka refere-se a uma maldição que mata a todos os que se apoderam dos bens (incluindo a mulher) do morto antes da realização do ritual e que deve
pertencer aos vadi va ndzaka, que são os herdeiros, neste caso, os filhos e irmãos mais novos.


No ritual de kutxinga participam directamente a mulher viúva, o homem escolhido para purificar a mulher. Com papéis diferentes estão o curandeiro, que serve de intermediário entre o falecido marido e a sua familia. O primeiro, atraves do curandeiro, explica como quer que a cerimónia decorra, o que é necessário para a sua realização. A família do
falecido marido é que autoriza a viúva a realizar o ritual. Participam também as massungukati, que são mulheres mais velhas da família e/ou que passaram pelo mesmo ritual, que orientam a viúva sobre a forma como deve se comportar e o que deve fazer durante o ritual. Na realização do ritual procura-se guardar segredo para que possa ter sucesso. Aos vizinhos nada é dito e quando desconfiam, a viúva procura sempre uma
desculpa para que não percebam o que aconteceu. A pessoa nega ter feito o ritual porque há outras que “estão dispostas a fazer mal as outras e o aceitar pode estragar o ritual.”

Na realização do ritual, prepara-se um chá que é distribuído pelos familiares do falecido marido sem contar com os maridos das irmãs e das filhas do morto por não pertencerem à família.

Quando se anuncia a morte do chefe da família, o tio do morto, que é o irmão do pai, ou uma outra pessoa respeitada pela família paterna da pessoa que morreu, é indicado para explicar as pessoas como devem se comportar durante o luto. Quando morre a mulher, por estar no lar, geralmente a família do marido é que se responsabiliza por todas as realizações fúnebres. Este período é dominado por interdições de relações sexuais aos membros da família, sob a responsabilidade directa da pessoa que morreu. Também é proibida a circulação dos objectos de um lugar para outro para que não se transporte ndzaka para uma outra casa. A violação destas regras coloca em risco a vida dos membros da aldeia assim como da pessoa com quem se transgrediu a regra de abstinência e o castigo pode ir de doenças como tuberculose, hemorragias, mbatata
(abcessos) ate a morte.
O periodo de “evitamento” sexual depende das duas fases obedecidas para a realização do kutxinga. Uma vai atá a realização do ritual oito dias após a morte e a outra que pode coincidir com a missa de seis meses ou um ano. A primeira ocorre quando se faz ku hangalasa xikuma (espalhar as cinzas), que é uma cerimónia para se acabar com o luto pesado, permitindo que todos os que tiveram contacto directo com a pessoa falecida retornem às suas vidas normais.

Depois do oitavo dia os filhos da pessoa que morreu se forem crescidos e casados, seguindo a ordem das idades, retomam a vida sexual. Na madrugada seguinte as mulheres acordam e preparam chá que é distribuído pelos membros da familia. Se a pessoa que morreu não tiver filhos crescidos ou casados, o irmão mais novo do falecido marido pode
fazer o ritual. Nesta cerimónia a viúva não é contemplada porque foi tomada pelo morto durante o tempo em que viveram juntos e a impureza da morte a marca profundamente, o que se diz a ni ntima (esta num estado negro) dai a necessidade de esperar por um ritual especial.
A segunda fase do ritual acontece seis meses depois da morte do chefe de família. Após a realização da missa de seis meses a mulher pode pedir para ser purificada. Porém, até a data do ritual ela está proibida de ter qualquer contacto sexual. Caso viole esta interdição, ela assim como o homem com quem se relacionar ficam sujeitos a castigos pesados.

Os dois podem adoecer ou morrerem porque a hisi lifu (a mulher queimou a morte), uma vez que “nos primeiros seis meses o corpo ainda está quente”, o mesmo que a presença do morto ainda se faz sentir.

Fonte:
MAPENGO, Policarpo. (2007). Práticas Culturais e Políticas Socio-económicas em Moçambique: análise de ritual sexual de purificação no Município de Xai-Xai, 1926-2002. [Tese de licenciatura em História não publicada]. Maputo: UEM/ FLCS/ Departamento de História.

domingo, 15 de agosto de 2010

A dança "Nyau"

Neste artigo, pretendo falar de uma dança praticada em Moçambique, assim como em alguns Países vizinhos: o "Nyau".
A história do Nyau tem referências dentro do nosso País, ainda que seja partilhada com alguns Países vizinhos como: Zâmbia e Malawi. A dança é executada por diversas etnias das zonas transfronteiriças de Moçambique, Malawi e Zâmbia. É conhecida “dança dos mistérios”.
A dança é também conhecida por gule wankulo, sendo preferida por tribos como os Chewa, Achipetas e Azimbas.
A origem do Nyau é associada, segundo o historiador Fernando Dava à formação do Estado Undi, por volta do século XVII, altura em que se supõe ter sido adoptado como uma forma de manifestação do seu poderio sobre os povos conquistados.
O termo Nyau designa igualmente o dançarino, quando já equipado com os vestes, nomeadamente as máscaras e o restante fardamento, que fartam o corpo. Por seu turno gule wankulo significa grande dança.
Uma das características desta dança é ser essencialmente masculina. Os seus passos são marcados pelo ritmo acelerado e estonteante dos tambores, enquanto as mulheres, cuja participação é historicamente recente, acompanham cantando em coro. Alguns dançarinos envergam vestes cheias de enfeites (tipras de trapos, pedaços de sacos, fibras de árvores, penas de águias ou avestruzes, formando uma mistura ardente de cores).
Outros exibem-se mascarados e com corpo nu, pintados de cinza, argila vermelha ou branca (mafuta). Nas pernas usam chocalhos, também ostentando várias cores, que contribuem para a bela sonoridade que caracteriza o Nyau.
Juntamente com a Timbila, esta dança foi declarada a 25 de Novembro de 2005, obra prima do património oral e imaterial da humanidade, fazendo com que ela não seja, a partir daí, pertença apenas dos Moçambicanos, Malawianos e Zambianos, mas de toda a humanidade.

Fonte: República de Moçambique. (2008). V Festival Nacional da Cultura. Maputo: MEC.

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Feliz Natal e Próspero Ano Novo

Estimados leitores fieis, visitantes e apreciadores do Usos e Costumes,

É com muito prazer que vos endereço os meus sinceros votos de Feliz Natal e Próspero Ano Novo! O Usos e Costumes foi criado este ano, mas a sua Administradora Nyikiwa, teve que priorizar outras coisas, não tendo deste modo muito tempo para o blog.

Vai o meu sincero agradecimento a todas as pessoas que directa e indirectamente ajudaram a mim e o Usos e Costumes a crescermos com as suas críticas e sugestões.

Para o ano procuraremos abordar mais Usos e Costumes da nossa Sociedade.

domingo, 23 de agosto de 2009

Aloe vera (mangana)

Algumas plantas têm poderes curativos e protéicos. Uma dessas plantas é a Aloe vera, conhecida nas línguas ronga e shangana do sul de Moçambique como mangana.
A Aloe vera (sin. A. barbadensis Mill., A. vulgaris Lam.) é uma espécie de planta do género Aloe, nativa do norte de África. Encontram-se catalogadas mais de 200 espécies de Aloe. Deste universo, apenas 4 espécies são seguras para uso em seres humanos, dentre as quais destacam-se a Aloe arborensis e a Aloe barbadensis Miller, sendo esta última reconhecida como a espécie de maior concentração de nutrientes no gel da folha.
Aloe barbadensis é conhecido como Aloe vera (do latim vera, "verdadeira") ou aloés, tem um aspecto de um cacto de cor verde, mas este pertence à família dos lírios. Esta planta por dentro tem um líquido viscoso e macio.
A Aloe vera floresce no começo da primavera, geralmente com flores de um amarelo vivo em uma longa haste que se projecta para fora do centro da roseta. Suas flores são, ocasionalmente, de cor laranja ou vermelha. Em uma planta já desenvolvida, a haste se eleva, geralmente, de 60 a 90 centímetros acima da extremidade das folhas. Como suas folhas são suculentas, elas estão cheias de uma substância gelatinosa que pode ser extraída e então engarrafada ou incorporada em vários produtos.
O Aloe Barbadensis, ou Aloe Vera, tem folhas espinhosas de cor verde, com o formato de lanças que crescem numa formação de roseta (tal qual pétalas de rosa). Suas folhas, frequentemente, crescem até 75 cm e podem chegar a pesar de 1,4 a 2,3 kg cada uma.
A Aloe Vera é uma planta originária de regiões desérticas. Por causa do meio hostil em que se desenvolve, ela adquiriu inúmeras capacidades para sobreviver onde muito poucas espécies vegetais conseguem. Além de crescer no deserto ela também só é encontrada em certas zonas tropicais do mundo e por esta razão não é muito conhecida em regiões de climas frios.
O Aloe vera é uma planta utilizada para diversos fins medicinais há muitos anos. Geralmente é utilizada para problemas relacionados com a pele (acne, queimaduras, psoríase, hanseníase, etc). É um poderoso regenerador e anti-oxidante natural. A esta planta são reconhecidas propriedades anti-bacterianas, cicatrizantes, capacidade de re-hidratar o tecido capilar ou dérmico danificado por uma queimadura, entre outras.
Esta planta aplicada sobre a queimadura, ajuda rapidamente a retirar a dor, pelo seu efeito re-hidratante e calmante. Pelo mesmo efeito re-hidratante lentamente irá reparar o tecido queimado, curando desta forma a queimadura.
Aloe vera tem poder de reter água para se manter o tempo todo bem hidratada, mesmo sob o calor produzido pelo sol escaldante do deserto.
Aloe vera é um excelente nutriente, com importantes proteínas, vitaminas e sais minerais. Com sua constituição química permite a penetração na pele e assim levar importantes nutrientes para as células vivas. A Aloe Vera também pode ser utilizada para regular o trânsito intestinal, sendo muito utilizada para casos de intestino preso e baixa absorção de nutrientes.
O gel de Aloe vera também pode ser usado para fins cosméticos, como hidratantes, sabonetes, shampoos, entre outros. O gel de Aloe vera também pode ser encontrado em produtos de consumo como yogurtes e bebidas, que contém pedaços da polpa.
Em 2006, em visita de estudo sobre a interacção entre a bio-medicina e a medicina tradicional interagimos em Calanga com médicos tradicionais, que nos fizeram saber que a mangana ajuda a combater a malária, mediante ingestão do seu líquido.

Muitas plantas têm sido utilizadas no nosso país para alimentação, para cura entre outros usos, mas a sua divulgação é que tem sido fraca. É preciso que se comece a valorizar os saberes locais. Há conhecimentos caseiros que ajudam a combater certos infortúnios.

Em locais em que as unidades sanitárias estão distantes a etnobotânica tem sido a salvação das pessoas. Alguns estudos indicam que 80% da população Africana depende da medicina tradicional para satisfazer as suas necessidades terapêuticas. No nosso país, estima-se que 60% da população apenas aceda a medicina tradicional. Importa referir que este número é aquele que se encontra quantificado, apesar de a realidade mostrar que ele seja superior.


Fonte: www.wikipedia.org
Promoção da Medicina Tradicional (PROMETRA)

sábado, 25 de julho de 2009

Lovolar cadáveres

Nos últimos tempos tem se verificado um fenómeno na nossa sociedade: lovolar cadáveres. Para quem não sabe, o lovolo, segundo Lewin (1941); Radcliffe-Brown e Ford (1950); Ogbu (1978) e Manona (1980) constitui uma forma pela qual a união entre um homem e uma mulher é socialmente reconhecida. Entre nós é conhecido como casamento tradicional, e a actual lei de família de Mocambique prevê esse regime de casamento.

Ora, pegando no conceito de lovolo acima apresentado, depreende-se que a união legitimada por essa Instituição (lovolo), é entre um homem e uma mulher vivos. Todavia, conforme referi no parágrafo anterior tem se registado o lovolo de cadáveres.

O mais recente desses casos foi reportado pela imprensa nesta semana. O viúvo (digo viúvo porque vivia em união de facto com a falecida, com quem tem um filho), foi obrigado pela família da esposa a lovolar o seu cadáver e transladá-lo para a Província de Inhambane, sua terra natal.

Apesar de o lovolo ser visto como uma forma de legitimar a união entre um homem e uma mulher, conforme apresentado anteriormente, importa referir que ele (lovolo) também pode representar a ligação entre uma pessoa viva ou um grupo com o mundo espiritual (Bagnol, 2006).

Analisando a questão de lovolar cadáveres a luz da perspectiva de Bagnol (2006) sobre o lovolo, se torna perceptível a imposição de lovolar pessoas mortas se tratar-se do caso de alguém escolhido pelos espíritos, neste caso, ancestrais do seu grupo familiar para orientar os demais, ou para uma tarefa específica. Mas assim não se verificando, creio que estamos perante um caso de extorsão e de oportunismo.

Digo extorsão e oportunismo, porque para além da revisão da literatura, consultei algumas pessoas mais velhas (faixa etária entre os 50-75 anos) e perguntei se é comum o lovolo de defuntos na nossa Sociedade. As pessoas com quem conversei informaram-me que não é comum, e que as pessoas que obrigam o viúvo a lovolar a defunta são oportunistas, porque quando a sua filha está em vida assumem dois tipos de comportamento: por um lado podem cobrar valores exorbitantes para a celebração do lovolo, sem ter em consideração o ordenado do namorado da sua filha, e por outro lado por simplesmente podem não pressionar o namorado para lovolá-la, mas aceitam e reconhecem-no como genro.

Então, porque é que quando ela falece o obrigam a cumprir as normas, que sabiam de antemão que deviam cumprir?

Glossário:

Lovolo: derivativo factivo do verbo. Ultimamente há uma tendência generalizada para pronunciar-se lobolo e não lovolo. Bagnol (2006), mostra que o verbo kulovola e o substantivo lovola, existe nas línguas Tsonga e Zulu, embora não se conheça a sua origem etimológica.


quarta-feira, 10 de junho de 2009

Ku Tsivelela Mwana

No presente post pretendo abordar o ritual ku tsivelela mwana. Este ritual faz-se no sul de Moçambique ao recém-nascido três dias após a queda do cordão umbilical. Este ritual visa por um lado inserir a criança na sociedade, e por outro lado protegê-lá contra diversas intempéries, tais como: mau olhado, cólicas, diarréia, insônias e feitiço. De um modo geral o ritual ku tsivelela promove um crescimento harmonioso da criança a todos os níveis.

O ritual processa-se do seguinte modo: despe-se a criança e procura-se um xirhenguele (telhaços de panela de barro), põe-se carvão aceso no xirhenguele e coloca-se uma substância chamada baço. A criança deve ser segurada como se estivesse numa balança, e a ervanária ou a pessoa que dirige o ritual deve ir girando a criança de pernas abertas até ela urinar.

O facto de a criança urinar e apagar o lume é um sinal de que o ritual correu bem. Depois, a dirigente do ritual pega numa chávena ou copo, deita água e coloca um pó extraído de uma raíz. Ela toma desse preparado para mostrar que não é nocivo, e dá também à mãe e ao bebé.
Ainda com a criança despida, coloca-se uma pele seca de um animal enfiada numa linha de preferência preta atravessada ao ombro da criança, para que ela não se assuste a noite, caso veja vultos ou feiticeiros.
Após o cumprimento do ritual, são recomendados à mãe da criança alguns medicamentos e tratamentos, nomeadamente:
• Remédio que se põe de molho e administrado à criança três vezes por dia;
• Remédio do caracol, que deve ser administrado duas vezes por dia: as 6 e as 18 horas. Ao dar este remédio ao bebé, a mãe deve posicionar-se na porta principal de casa,virada ao pôr do sol;
• Remédio de cozer na panelinha de barro, três vezes ao dia sem hora prescrita e sempre que a criança tiver cólicas pode ser administrado na dose de 2 colheres de chá;
• Tratamento de amarrar o botão na mão direita do bebé por tempo indeterminado para que não tenha olhos tortos.
Os três remédios devem ser administrados em simultâneo todos os dias, durante dois anos. O incumprimento desse período pode trazer consequências desagradáveis à criança, como: epilepsia, demência e mau desenvolvimento psico-motor.
Apesar desses remédios serem todos importantes, importa referir que o remédio do caracol tem muita relação com as fases lunares, uma vez que tomado de forma correcta evita a epilepsia.

ADENDA:
Agry,
Retornei à minha fonte e pedi explicação mais apurada de alguns termos que questionas:
Remédio que se põe de molho: mistura de três tipos de raízes grossas;
Remédio do caracol: utiliza-se a Carapaça do caracol como recipiente para colocar o remédio, porque acredita-se que tenha poderes mágicos.
Espero ter satisfeito a sua inquietação.
Obrigada,
Nyikiwa